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INTRALOGÍSTICA NA PRÁTICA

Logística

Os ques, os comos e os quando.

Na matemática existe a máxima: “Todo sistema suficientemente complexo tende ao caos.”

Embora a teoria do caos não esteja aí para justificar bagunça e desorganização, ela pode ser usada como subterfúgio para exemplificar o desenvolvimento de uma empresa.

Raramente – e talvez possa dizer, nunca – uma organização é o mais cristalino reflexo das melhores práticas oferecidas nos manuais de administração. Empresas são entes vivos, que crescem, se movem e se adaptam às necessidades da sobrevivência e crescimento. E nestes movimentos orgânicos, ela se desenvolve em formas que se distanciam do ideal organizacional.

E não raras vezes, estes apêndices surgidos pela força da necessidade se tornam pedras nos sapatos de seus gestores: Aquela máquina velha que somente o seu João consegue operar, aquela planilha de excel de 16gb que se tornou a coluna vertebral da atividade comercial, ou mesmo aquele sistema antiquado, mas de tão seminal, é impossível pensar na empresa sem ele.

“Não deixe a bola cair” é a ordem do dia na administração de uma empresa. Alguém tem que assumir o “pepino”, mesmo que não seja da forma ideal. O aqui e agora é essencial para o timing de qualquer empresa.

Aplicar conceitos ideais em uma empresa que não tem como parar – ao final, ela está viva! – é um tipo de desafio mais complexo, raramente tocado pelos manuais e os gurus de logística e administração de empresas.

Isto é ainda mais verdade em Logística. Muitas vezes, o gestor se depara com uma situação prejudicial do ponto de vista da logística, que gera perda de tempo ou recursos consideráveis, mas não possui forma prática de consertar esta prática.

A Criatura Viva

De forma muito resumida, mesmo para não entediar o leitor, este texto explora os trabalhos feitos a favor desta empresa – que chamaremos de Esquilos S.A. por motivos de sigilo.

Ela é o braço brasileiro de uma multinacional especializada em artefatos de plástico, com mais de duas décadas de atividade, e está em um momento muito especial: fruto das mudanças de comportamento advindas do COVID-19 e de decisões certeiras de seu CEO, a empresa tem experimentando um grande aumento em suas vendas.

Excelentes notícias!

Contudo, com mais clientes vem a necessidade de ter mais produtos, e com isso, um armazém maior para estocar mais matéria prima e produtos prontos para serem vendidos.

Esta demanda impulsionou a necessidade de reconfiguração da logística interna da empresa. O seu velho armazém, que até então dava conta do recado, agora ficou pequeno, e mesmo o seu João do Almoxarifado que o conhecia como a palma da mão, agora fica confuso, perdido na quantidade de produtos que entram, saem e giram nos porta paletes.

Naturalmente, o aumento na pressão comercial e produtiva começou a evidenciar outros desafios estruturais que até então eram relevados – surgidos da prática, do caos do dia a dia deste ser vivo que é a empresa. E muitos destes eram na área logística.

Gastos desnecessários começaram a ser evidenciados, e deficiências na comunicação entre os atores da empresa se tornaram gargalos para a produção e o fornecimento para clientes. Mas, mais importante para este exemplo, o saturamento do processo logístico interno, causando problemas graves como excesso de capital parado, aumento vertiginoso nos custos logísticos, o aumento de erros nos envios a clientes e o descompasso entre produção e vendas.

Este texto tem por objetivo servir como um guia pratico dos passos a passos necessários para estabelecer reconfigurar a logística interna de uma empresa.

O Desafio

Um armazém novo foi a solução: maior, mais organizado, e principalmente, capaz de suportar as expectativas de demanda presentes e futuras.

O desafio da Esquilo S.A. foi como fazer isto. A empresa não podia simplesmente parar duas, três semanas para fazer a adaptação. Não agora, que as demandas eram cada vez maiores.

Neste caso, podemos fragmentar o desafio da empresa em 4 necessidades:

1 – Um armazém novo traz a necessidade de redefinir a logística interna da empresa.

2 – A nova logística interna não pode se tornar um gargalo futuro. Ela deve levar em consideração todos os fluxos logísticos da empresa – compra, produção, armazenagem e venda.

3 – Os processos da esfera logística e sistemas precisam ser adaptados para a nova realidade.

4 – Fazer tudo isso o mais rápido possível, com menos impacto nas atividades diárias da empresa. Ela não pode parar.

As consequências de não o fazer serão terríveis: perca de oportunidades, permitir que concorrentes cresçam em espaços seus por não conseguir competir, o aumento dos custos logísticos e a perca de eficiência, e o potencial atraso na entrega dos produtos, que pode desagradar clientes já conquistados.

As necessidades e desafios da Esquilo S.A. são os mesmos de várias empresas que – felizmente – estão expandindo suas atividades rapidamente.

Para ajudá-la neste desafio, a empresa contou com a Trixx Consulting!

Passo 1 – Os comos, quandos e porquês.

A definição de um modelo de Intralogística passa primeiro pela necessidade de entender o fluxo do processo logístico dentro da empresa.

São considerados dentro do fluxo logístico interno todos os processos que de uma forma ou outra lidam com a movimentação de matéria prima e produtos prontos, incluindo os processos de produção (o como), compras (o quando), e vendas (o porquê).

Estes processos são determinados essencialmente por dois fatores: Como é o modelo de venda (se é puxada, empurrada ou misto) e como é o modelo de compra.

Em um modelo de vendas puxadas, os ciclos de produção – que incluem aquisição de novos produtos e matéria prima – são determinadas pelas demandas do cliente. Em um modelo empurrado, a processo produtivo é determinado por uma previsão de vendas.

O modelo empurrado é caracterizado por produzir, estocar e só então vender para o cliente, em que há uma constância na produção e demanda. Uma intralogística para o modelo empurrado deve ser apta a sustentar grande fluxos de entradas e saídas.

O modelo puxado é caracterizado por ser “just in time”: a produção corresponde exatamente ao que o cliente quer, no momento e quantidade que ele precisar. Isto   reflete em um modelo de intralogísitca que seja apto a responder rapidamente a uma demanda variante.

Assim determinado o modelo de demanda, é necessário dar uma olhada no modelo de compras, que mostra essencialmente a quantidade de produtos que estão disponíveis em um momento qualquer dentro da empresa – o chamado Estoque de Segurança.

Este estoque é pautado na facilidade ou dificuldade de conseguir a matéria prima ou produtos prontos para venda. Produtos difíceis de conseguir – seja porque são importados ou porque há poucos fornecedores viáveis – exigem a manutenção de um estoque de segurança maior, para evitar falta de produtos.

O contrário também é verdade – produtos fáceis e disponíveis no mercado podem ter estoques menores.

Contudo, a atividade de compras da empresa deve sempre seguir uma máxima:

O trabalho do comercial é vender sem se preocupar se o item existe no estoque. O trabalho do armazém é que ele exista sempre.

Uma vez compreendido o fluxo logístico interno, é possível passar para o segundo passo.

Passo 2: Entendendo os produtos

SKUs não são todos iguais, como dizia minha avó.

Produtos inflamáveis, explosivos e tóxicos precisam de um cuidado especial, que devem respeitar normas das autoridades locais e segurança do trabalho – por exemplo, deixar produtos potencialmente inflamáveis e explosivos perto das saídas de emergência do armazém é geralmente tido como uma má ideia.

No mesmo sentido, existem SKUs que são grandes, volumosos e pesados. Alguns tão desengonçados que não podem ser colocados em paletes ou até mesmo empilhados uns sobre os outros.

Ainda, alguns produtos podem ser perecíveis, que exigem que passem o menor tempo possível estocados.

Am adição a suas características físicas, a natureza dos produtos irá determinar os ciclos de movimentação do estoque, de acordo com sua perenidade, podendo ser FIFOS, LIFOS ou FEFOS:

FIFO (First in, first out) é o método utilizado para estoque de giro mediano, com prazo de validade longo ou mesmo sem vencimento.

LIFO (Last-in, First-out) é utilizado para produtos que não tem vencimento, aonde o produto em estoque estático ou com baixo ou alto giro é utilizado como margem de segurança ou para atender períodos de pico.

E FEFO (First expire, First out) é o utilizado para produtos de altíssimo giro com produtos com vida útil curto.

Determinar se o produto é FIFO, LIFO ou FEFO também ajuda a determinar qual é o sistema de movimentação adequado, entre Drive-thru, que permite que a entrada e saída de materiais seja realizada por ambos os lados da estrutura de armazenagem, sendo o ideal para LIFO e FIFO, e o Drive-in, quando as operações de entrada e saída são realizadas pelo mesmo lado da estrutura, sendo útil apenas com o sistema LIFO.

Entendendo a natureza do produto, é possível também determinar qual é a posição ideal dentro do armazém, e a forma como ele será movimentado.

Passo 3: as curvas e os mapas

Não todo produto é igual que outro. Alguns são o típico “pãozinho quente”, que sempre vende, mas tem um lucro por unidade pequeno. Outros são o contrário, com poucas, mas lucrativas, vendas.

Assim, é possível determinar uma hierarquia dos SKU dentro de uma empresa de acordo com determinados critérios, as chamadas Curvas.

A mais conhecida delas é a ABC, que classifica os produtos por sua importância para o caixa da empresa, olhando para eles sob o aspecto financeiro.

Mas existem outras duas curvas, também (até mais) relevantes para a intralogística, por exemplo a curva XYZ, que determina a criticidade de um item dentro do estoque – ou seja, qual é o impacto que a falta dele faz; e a curva PQR, que classifica os produtos por popularidade – quanto são movimentados, dentre outras que fornecem diferentes visões.

A comparação entre as curvas permite criar critérios para a hierarquização prática de um armazém, determinando quais são mais importantes para a empresa, o porquê, e porque devem receber prioridade no armazém.

Assim, o layout de armazém deve ser, principalmente, prático em relação aos produtos que serão colocados nele, e na forma como serão manejados.

Como logística é a ciência de racionalizar o tempo e o dinheiro, a determinação do layout deve seguir ideal da eficiência: quanto menor o esforço para mover um item dentro do armazém, mais eficiente será os processos, e portanto, menos recursos isso utilizará.

Todo armazém possui um fluxo natural de movimento físico, que é determinado pelas suas entradas e saídas: Por onde os produtos entram? Por onde eles saem? Por onde os operadores transitam? E quais são os pontos mais próximos e mais distantes destas entradas e saídas?.

Assim, é possível criar um “mapa de calor” de um armazém, indicando quais são as rotas mais frequentadas, e os pontos mais “quentes”, com melhor acesso, e aqueles com pior.

Os produtos hierarquicamente mais importantes – sob o aspecto logístico – devem ficar nas áreas “quentes” do armazém, pois são produtos que são mais movimentados, ou que precisam de maior atenção e cuidado, e não podem ficar relegados aos cantos mais distantes.

Desta forma, os produtos que possuam lucro unitário maior, ou que sejam mais críticos, e, portanto, não podem faltar, ou que sejam mais populares, terão trajetos mais curtos dentro do armazém, diminuindo os custos e riscos relacionados à movimentação.

Some-se a isto o conceito de Drive-In e Drive-Thru (e, por consequência, o LIFO, FIFO e FEFO), já teremos um layout básico.

Passo 4: Endereçamento e Picking

O Picking é a ação mais básica e elemental da logística: É pegar um produto e levar ele para outro lugar. Embora possa parecer banal e simplório, é também um dos pontos mais importantes para a intralogística, pois é nele que se baseia o fluxo de entrada e saída de produtos do armazém.

Existem diversos modelos de Picking, cada qual com suas qualidades e desafios. No caso da Esquilo S.A., nossa empresa em caso, era utilizado o Picking Discreto (cada trabalhador fica responsável pela seleção dos produtos de um determinado pedido) em todos os pontos dos processos, desde os inbound (para dentro) até os outbound (para fora).

Toda empresa possui 4 pontos de Picking básicos, que podem aumentar ou diminuir dependendo da quantidade de armazéns que tiver.

  • Recebimento: transporte dos produtos da doca de entrega (fornecedor ou entre sítios da mesma empresa) até o armazém.
  • Armazenagem: movimentação do produto internamente, inclusive o transporte da matéria prima para áreas de produção e da produção ao estoque.
  • Separação: preparação do produto para ser entregue ao cliente ou enviados a outro armazém.
  • Expedição: transporte dos produtos para as docas, para serem entregues ao cliente.

Uma vez que a empresa aumentou seus pontos de Picking com a adição de um novo armazém, com isso, veio a necessidade de alterar a forma como o picking era feito, a fim de evitar a formação de gargalos e trabalhos excessivos nos pontos de transição entre armazéns.

Desta forma, na nova configuração da Esquilo S.A., resultou na combinação de Picking em Lote (o funcionário responsável pela seleção aguarda que haja uma maior demanda com relação aos pedidos para recolher todos os produtos), nos recebimentos, e Picking em Onda (onde cada operador é responsável pelo recolhimento de um produto e ocorre o agendamento de um determinado número de requisições por turno) na separação e expedição.

Outro ponto chave para aprimorar a logística interna foi a criação de um sistema de endereçamento no novo armazém.

De forma muito sintética, o endereçamento nada mais é que as coordenadas de uma posição de armazenagem dentro do espaço do armazém. Ele tem como objetivo principal permitir a localização rápida de um produto.

O endereçamento basicamente é um CEP.

Quando um operador de logística for procurar um item, ele pode utilizar estas coordenadas para saber onde exatamente está o que procura, evitando assim que perca tempo indo de bloco em bloco até achar o que procura, sempre com risco de errar e pegar outro produto similar.

Finalmente, Passo 5: Sistemas

Em uma situação ideal, empresas sempre contam com ERP e WMS bons e funcionais, outros sistemas de apoio eficientes.

Não é o caso de todas. Mas principalmente, não precisa ser (pelo menos para a logística interna).

Muitos ERPs com origens industriais possuem sistemas integrados de gerenciamento físico do armazém. Isto é, ele identifica as posições dentro do armazém (endereçamento) e sugere, de acordo com os parâmetros do sistema, uma alocação eficiente dos produtos.

Para empresas de médio porte, com produtos homogêneos, este tipo de sistema é suficiente para fazer o gerenciamento da logística interna.

Contudo, entre maior for o armazém, e principalmente, entre mais heterogêneo forem os produtos, maior a necessidade por um WMS, uma vez que há a necessidade de gerenciar uma quantidade muito grande de dados mutáveis.

Assim, a contratação de um WMS ou similar somente faz sentido para uma empresa que for utiliza-lo de fato.

Em conclusão, espero que este – não tão – breve texto ajude a gestores logísticos e consultores a implantar sistemas de intralogística de forma mais suave e tranquila. E principalmente, sem cair nas armadilhas do caos diário da vida!